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Código Fiscal: A Reformulação do Regime Fiscal de Macau

Escrito por José Rodrigues e Paulo Rowett


Published : March 31,2025

Episódio 1 – Residência Fiscal e Regras do Procedimento Judicial Tributário”

 

O regime fiscal actual foi em larga medida estabelecido na década de 1970 sob a forma de várias leis individuais. Por outras palavras, nunca existiu um quadro jurídico consolidado com procedimentos unificados que regulassem todo o percurso fiscal de um contribuinte – uma legislação que respondesse plenamente às necessidades e exigências fiscais no actual ambiente social e económico em constante evolução.

A partir de 30 de Dezembro de 2024, tudo mudou com a publicação da Lei n.º 24/2024, a qual veio instituir o novo Código Fiscal (“CF”). O CF é composto por um total de 312 artigos, divididos pelos seguintes títulos:

• Título I – Parte Geral (Artigos 1.º a 5.º)

• Título II – Ordem Jurídica Fiscal (Artigos 6.º a 15.º)

• Título III – Relação Jurídica Fiscal (Artigos 16.º a 54.º)

• Título IV – Procedimento Fiscal (Artigos 55.º a 154.º)

• Título V – Processo Judicial Fiscal (Artigos 155.º a 173.º)

• Título VI – Processo de Execução Fiscal (Artigos 174.º a 312.º)

 

Com o CF, foram introduzas as seguintes alterações principais:

Código Fiscal Unificado: A lei consolida diversos assuntos regulados em leis fiscais avulsas num único código fiscal abrangente, simplificando o quadro legal para os contribuintes e as autoridades;

Regras de Preços de Transferência: Introduz regulamentos sobre preços de transferência, exigindo que as transações entre partes relacionadas (i.e., entre sujeitos passivos da Região Administrativa Especial de Macau e as suas partes relacionadas pertencentes a outras jurisdições fiscais) sigam o princípio de plena concorrência;

Acordos de Preços Antecipados: A lei permite acordos prévios sobre metodologias de preços de transferência, oferecendo maior previsibilidade aos contribuintes;

Prazo de Prescrição: Estabelece um prazo limite de 15 anos para reivindicações fiscais (salvo disposição em contrário noutras leis fiscais), assegurando clareza e previsibilidade;

Plataformas Electrónicas Tributárias: Promove o uso de plataformas digitais para declarações fiscais e respectivo cumprimento das obrigações tributárias, aumentando a eficiência;

Definições de Residência Fiscal: Actualiza as definições de residência fiscal, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2025;

Representantes Fiscais: Introduz regras para a nomeação de representantes fiscais em circunstâncias específicas.

 

Os objetivos destas alterações são os seguintes:

Alinhamento com Padrões Internacionais: Garantir conformidade com as práticas fiscais globais, particularmente em áreas como preços de transferência;

Simplificação e Clareza: Unificar e esclarecer regras fiscais e procedimentos, reduzindo a complexidade para os contribuintes e melhorando a eficiência administrativa;

Maior Conformidade: Incentivar o cumprimento das obrigações fiscais através de orientações claras e procedimentos modernizados;

Proteção da Base Tributária: Prevenir a erosão da base tributária através da abordagem de práticas de transferência de lucros com as regras de preços de transferência;

Transformação Digital: Facilitar a transição para sistemas fiscais eletrónicos, tornando o cumprimento das obrigações tributárias mais acessível e eficiente.

Embora o Código Fiscal só entre plenamente em vigor a partir de 1 de Janeiro de 2026, é forçoso salientar que algumas disposições já se encontram em vigor e outras, não obstante a entrada em vigor estar diferida para Janeiro de 2026, exigem atenção imediata.

Neste contexto, os artigos futuros desta série fornecerão explicações abrangentes e análises detalhadas sobre as mudanças e novidades do Código Fiscal.

 

O presente artigo faz uma breve exposição de algumas das novas disposições que, na nossa opinião, exigem planeamento a curto prazo ou atenção por parte dos contribuintes e profissionais, nomeadamente:

 1. Procedimento Judicial Tributário e Processo de Execução Tributária

• As regras relativas ao procedimento judicial tributário e ao processo de execução tributária são de aplicação imediata, excepto quando a sua aplicação a processos em curso prejudique as garantias, direitos e interesses legítimos anteriormente estabelecidos. A este respeito, o novo Código Fiscal clarificou as dúvidas existentes sobre o prazo de prescrição das dívidas fiscais, estipulando que tais dívidas prescrevem após um período de 15 anos (Artigo 49.º do CF), alinhando-se com o prazo ordinário de 15 anos previsto no Artigo 302.º do Código Civil e, assim, alterando o período de 20 anos anteriormente fixado no Código de Execuções Fiscais (“CEF”), aprovado pelo Decreto n.º 38.088 de 12 de Dezembro de 1950.

• O CF estabelece ainda que caduca o direito à liquidação impostos, caso a liquidação não seja notificada ao contribuinte no prazo de 5 anos.

 2. Residência Fiscal

Para determinar o contribuinte responsável pela liquidação da obrigação tributária, o CF introduz o conceito de residente fiscal. Esta inovação legal define residentes fiscais na RAEM como:

• Indivíduos que permaneçam na RAEM por mais de 183 dias por ano ou, no caso de permanecerem por um período mais curto, possuam uma residência no território em condições que demonstrem a intenção de mantê-la como sua residência habitual;

• Pessoas coletivas que tenham a sua sede ou gestão efetiva na RAEM – sendo assim insuficiente possuir apenas um estabelecimento estável na RAEM.

A definição de residência fiscal, já em vigor, apresenta várias implicações. Entre outros efeitos, os contribuintes (actuais ou potenciais) devem ter em consideração o seguinte:

• Indivíduos e empresas podem enfrentar alterações nas suas responsabilidades fiscais com base nos critérios actualizados de residência;

• Pode ser necessário proceder à reavaliação das estratégias fiscais dos investidores estrangeiros, à luz das novas regras de residência;

• As alterações podem influenciar decisões relacionadas com estruturas de investimento e operações em Macau.

 3. Representante Fiscal

Com o novo CF surge a figura do representante fiscal, enquanto entidade responsável por representar o contribuinte perante a administração tributária e assegurar o cumprimento das suas obrigações nos casos em que o contribuinte resida fora da RAEM ou, sendo residente, esteja ausente por um período superior a 183 dias – consecutivos ou intercalados.

 

As alterações e inovações introduzidas pelo CF impõem um dever acrescido de diligência, tanto a pessoas singulares como coletivas, exigindo uma adesão rigorosa às novas disposições legais, assim assegurando o cumprimento integral do quadro legal em constante evolução.

Como tal, todas as partes afetadas são instadas a procurar aconselhamento legal atempado e a implementar mecanismos de conformidade robustos, salvaguardando os seus interesses e por forma a garantir que não são apanhadas desprevenidas pelas mudanças e novas dinâmicas em matéria de regulação fiscal.

Para mais informações nesta matéria, fique atento aos próximos episódios desta série sobre o Código Fiscal.

                                 

  José Rodrigues                                  Paulo Rowett
  Consultor Jurídico                            Consultor Jurídico

  joserodrigues@ccadvog.com           rowett@ccadvog.com

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